É por isto tudo que não aceito a culpabilização sistemática dos mais pobres e mais fracos e da classe média, por terem vivido “acima das suas posses”, mesmo quando não o fizeram. E mesmo quando havia uma casa a mais, um carro a mais, um ecrã plano a mais, um sofá a mais, um vestido ou um fato a mais, umas férias a mais, uma viagem a mais, recuso-me a colocar estes “excessos” no mesmo plano moral dos “outros”.
(...)
A completa desresponsabilização sobre a crise dos últimos anos, desencadeada pelo sistema financeiro, mas de que no fim este veio a beneficiar, marca moralmente como uma doença a sociedade da crise em que vivemos. O que choca as pessoas comuns e é uma fonte enorme de descrença da democracia e de sentimento de injustiça propício a todos os populismos, é que ninguém imagina que um ministro, primeiro-ministro ou Presidente se fosse sentar à mesa com alguém que tivesse desviado uns poucos milhares dos seus impostos ou tivesse um restaurante, uma barbearia, ou uma oficina de automóveis em modo de “economia paralela”, enquanto todos os viram nos últimos anos, em plena crise, conviver agradecidos e obrigados com estes homens que aparecem agora nos jornais como se tendo “esquecido” de declarar milhões de euros ao fisco ou estando à frente de instituições bancárias que emprestaram a amigos e familiares muitos milhões de que não se sabe o rastro, e tinham contabilidades paralelas.
José Pacheco Pereira, in jornal "Público". O artigo completo aqui
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