CAUSAS DA DECADÊNCIA DOS POVOS PENINSULARES NOS ULTIMOS TRÊS SÉCULOS (excertos)
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Pelo caminho da ignorância, da opressão e da miséria chega-se naturalmente, chega-se fatalmente, à depravação dos costumes. E os costumes depravaram-se com efeito. Nos grandes, a corrupção faustosa da vida de corte, onde os reis são os primeiros a dar o exemplo do vício, da brutalidade, do adultério: Afonso VI, João V, Filipe V, Carlos IV. Nos pequenos, a corrupção hipócrita, a família vendida pela miséria aos vícios dos nobres e dos poderosos. É a época das amásias e dos filhos bastardos. O que era então a mulher do povo, em face das tentações do ouro aristocrático, vê-se bem no escandaloso processo de nulidade de matrimónio de Afonso VI, e nas memórias do Cavaleiro de Oliveira. Ser rufião é um ofício geralmente admitido, e que se pratica com aproveitamento na própria corte. A religião deixa -de ser um sentimento vivo; torna-se uma prática ininteligente, formal, mecânica. O que eram os frades, sabemo-lo todos: os costumes picarescos e ignóbeis dessa classe são ainda hoje memorados pelo Decameron da tradição popular. O pior é que esses histriões tonsurados eram ao mesmo tempo sanguinários. A Inquisição pesava sobre as consciências como a abóbada dum cárcere. O espírito público abaixava-se gradualmente sob a pressão do terror, enquanto o vício, cada vez mais requintado, se apossava placidamente do lugar vazio que deixava nas almas a dignidade, o sentimento moral e a energia da vontade pessoal, esmagados, destruídos pelo medo. Os casuístas dos séculos XVII e XVIII deixaram-nos um vergonhoso monumento de requinte bestial de todos os vícios, da depravação das imaginações, das misérias íntimas da família, da perdição de costumes, que corria aquelas sociedades deploráveis. Isto por um lado: porque, pelo outro, os casuístas mostram-nos também a que abaixamento moral chegara o espírito do clero, cavando todos os dias esse lodo, revolvendo com afinco, com predilecção, quase com amor, aquele montão graveolente de abjecções. Todas essas misérias íntimas reflectem-se fielmente na literatura. O que eram no século XVII a moral pública, as intrigas políticas, o nepotismo cortesão, o roubo audaz ou sub-reptício da riqueza pública, vê-se (e com todo o relevo duma pena sarcástica e inexorável) na Arte de Furtar do Padre António Vieira. Quanto aos documentos para a história da família e dos costumes privados, encontramo-los na Carta de Guia de Casados de D. Francisco Manuel, nas forças populares portuguesas, e nosromances picarescos espanhóis. O espírito peninsular descera de degrau em degrau, até ao último termo da depravação!"
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"Erguemo-nos hoje a custo, Espanhóis e Portugueses, desse túmulo onde os nossos grandes erros nos tiveram sepultados: erguemo-nos, mas os restos da mortalha ainda nos embaraçam os passos, e pela palidez dos nossos rostos pode bem ver o mundo de que regiões lúgubres e mortais chegámos ressuscitados! Quais as causas dessa decadência, tão visível, tão universal, e geralmente tão pouco explicada?"
(...)
"Assim, enquanto as outras nações subiam, nós baixávamos. Subiam elas pelas virtudes modernas; nós descíamos pelos vícios antigos, concentrados, levados ao sumo grau de desenvolvimento e aplicação. Baixávamos pela indústria, pela política. Baixávamos, sobretudo, pela religião."
Excertos de um magnifico discurso proferido por Antero de Quental em 27 de Maio de 1871, com um conteúdo perfeitamente actual, e que pode ser lido na íntegra aqui.
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