"O DESCALABRO INTOLERÁVEL DO SNS
São muitas as razões que têm conduzido ao descalabro intolerável do SNS, a melhor conquista de Abril. O cidadão deve estar esclarecido relativamente aos factos, dados e doutrina que justificam a dramática agonia do SNS, para poder responsavelmente exigir a sua urgente reparação, que implica uma indispensável e profunda reforma. Passo a elencar um conjunto de razões que fundamentam e sustentam este meu parecer:
1. A verba do orçamento do Estado alocada à Saúde, é de cerca de 5% do PIB, em contraste com os 6.5% da média dos países da OCDE. A fracção consignada à promoção e prevenção da doença é insignificante e ridícula.
2. O SNS trabalha a baixo custo. As avaliações positivas referenciadas a nível internacional, decorrem em grande medida das fortes restrições financeiras suportadas pelos profissionais de saúde.
3. Os portugueses são, dentre os cidadãos europeus, os que mais pagam do seu bolso para garantir cuidados de saúde, para além da brutal carga de impostos.
4. Cerca de 1 em 10 portugueses não consegue comprar toda a medicação prescrita pelo seu médico.
5. Cerca de 40% dos portugueses dispõem de cobertura suplementar ( nomeadamente ADSE e Seguros), por falta de confiança no SNS ou receio de um atendimento não atempado.
6. Portugal é o segundo pior dos países europeus, quando se procede a uma avaliação subjectiva do estado de saúde dos cidadãos, mormente nos mais envelhecidos.
7. Projecções recentes evidenciam que em 2060 ocorrerá uma redução significativa na taxa de população, com cerca de 40% dos portugueses com idade superior a 65 anos. É fácil conjecturar sobre as consequências deste fenómeno, nomeadamente no âmbito da saúde.
8. Apesar deste alarmante aviso, Portugal continua a ser o país europeu com a pior cobertura nos cuidados de longa duração, só suplantado pela Polónia. Comparando com a média da OCDE ( 13% ), a média de cobertura da população entre nós é de 2.1%.
9. Com o aumento na longevidade, é inevitável o incremento nas doenças não transmissíveis. Assim, as doenças neurodegenerativas, cardiovasculares, metabólicas como a diabetes, oncológicas e outras, podem vir a ser potencialmente devastadoras, se nada for entretanto congeminado e precavido.
10. Continuamos na cauda da Europa nos resultados finais da prevalência e incidência da SIDA, sendo diagnosticadas tardiamente mais de metade das infecções. Por outro lado, Portugal apresenta dos piores resultados de toda a Europa no tocante à resistência a antibióticos e às infecções hospitalares.
11. No que respeita a recursos humanos, não tem havido a preocupação de valorizar e reter no SNS os profissionais de saúde. Muitos emigram ou transitam para o sector privado, por carência gritante de condições laborais. Por outro lado, existe uma distribuição irregular destes profissionais, acantonados preponderantemente em Lisboa, Porto e Coimbra. No restante território, a taxa de médicos, por exemplo, está abaixo da média da OCDE.
12. Quanto aos profissionais de enfermagem o cenário é ainda mais grave. Apenas dois terços da média europeia por milhar de habitantes. No serviço público, a relação enfermeiro/ médico é de 2.7 na OCDE, e de 1.3 em Portugal.
13. No nosso país, cerca de 2/3 dos profissionais de saúde labutam em hospitais ou em cuidados terciários, e só 1/3 nos cuidados primários. A porta de entrada não é o médico de família, como se afirma, passou a ser a urgência hospitalar. Um disparate.
14. A redução do horário laboral dos funcionários públicos para 35 horas semanais, repercutiu-se nefastamente na produtividade e despesa na saúde.
15. Aumentou escandalosamente o número de médicos «tarefeiros», com a agravante de muitos deles não serem especialistas , auferirem proventos superiores a médicos do quadro hospitalar não raro mais diferenciados, e não terem uma ligação permanente às instituições onde vão trabalhar.
16. Actualmente, cerca de 1,2 milhões portugueses não têm médico de família.
17. Entre 2020 e 2025 centenas de médicos entram na reforma.
18. Actualmente, cerca de metade das unidades de saúde primárias são USF, nas quais os profissionais são remunerados em função dos resultados, sendo a outra metade integrada por UCSP. Segundo os dados apurados, os resultados são melhores no primeiro modelo, podendo deste modo ocorrer desigualdades na qualidade dos cuidados prestados.
19. No tocante aos cuidados assegurados pelo SNS no domicílio, o desempenho tem sido deficitário.
20. Aumenta de forma chocante o número de doentes em lista de espera, ultrapassando os tempos definidos por lei e clinicamente aceitáveis, conforme relatórios do Tribunal de Contas e da Entidade Reguladora da Saúde, pelo que se avolumam as queixas sobre o mau funcionamento do SNS. Há especialidades médicas e cirúrgicas com tempos de espera de um, dois ou três anos.
21. De acordo com fontes oficiais, no ano de 2018, 30% das pessoas que morreram enquanto se encontravam em lista de espera, tinham já ultrapassado os tempos máximos da resposta devida.
22. Cerca de 2,8 milhões de portugueses têm um seguro de saúde, e há 1.2 milhões de beneficiários da ADSE, para não falar de outros sub-sistemas que recorrem ao sector privado da saúde. Donde, o SNS está a responder apenas a cerca de 60% da população e mesmo assim com progressiva quebra de qualidade.
23. Um estudo recente da OCDE ao procurar prever a realidade dos serviços de saúde dos seus Estados-membros em 2060, em termos da sua sustentabilidade, aponta para o facto de Portugal se confrontar desde já com um desafio: ou continua a fazer tudo como até agora e caminha para uma potencial despesa superior a 14% do PIB, o que se traduz numa insustentabilidade financeira do SNS, ou desenvolve urgentemente as reformas adequadas a garantir um SNS robusto, sem quebra dos seus princípios fundacionais.
Além disso:
24. A medicina personalizada e humanizada, cedeu paulatinamente lugar a uma medicina mecanizada, robotizada, sem alma. Os Serviços clínicos têm sido crescentemente congeminados pela tutela como estações de serviço que vendem saúde a retalho, ou oficinas de reparação técnica e mecânica de mazelas da máquina humana, ou fabriquetas de produção robotizada e acelerada de remendos para tapar e despachar uma maleita, mas não para cuidar do doente.
25. Congelaram escandalosamente as carreiras dos profissionais de saúde. E não existe uma avaliação rigorosa exigente e fiável do desempenho dos profissionais e das Instituições.
26. Como escandalosa é a nomeação para as Chefias por critérios de afinidade política, e não por mérito e competência.
27. Quando entrei para os HUC, na década de sessenta, com cerca de 600 camas, existiam dois administradores. Actualmente, segundo me informam, há mais de 50 elementos no quadro orgânico de gestão!!!
28. Um problema grave que se arrasta há anos no SNS tem a ver com o sub-financiamento crónico e gestão da dívida. A maioria do investimento de capital tem servido para abater a dívida acumulada, e não para solucionar problemas estruturais, como a substituição de equipamento obsoleto ou a construção de novas unidades de saúde. Acresce a isto, a fragilidade dos modelos de gestão e a ausência de autonomia concedida aos gestores da dívida.
29. Os profissionais de saúde, nomeadamente a classe médica e de enfermagem, não são culpados deste descalabro, como é óbvio. Têm indiscutível competência e merecem o aplauso público. Em meu entender, deviam ser mais reivindicativos e exigentes, porque lhes sobeja autoridade moral e profissional.
30. Intolerável é ver que se pretenda lançar mais alguns milhões sobre o SNS, delapidando dinheiro dos contribuintes, sem a mínima ideia dos objectivos a prosseguir. É um sinal inequívoco de despudorada e arrogante incompetência que vigora na Saúde, e que tem de ser urgentemente banida. Basta!"
UM TEXTO DO PROF. DINIZ FREITAS