Temas possíveis: música, humor, poesia, leituras/reflexões sociais, políticas e económicas (a ordem é irrelevante). Palavras que eu gosto e expressões fora de uso: real gana, por exemplo! Mais: aqui escreve-se à moda antiga, isto é, estou em desacordo com o "acordo" ortográfico.
Sunday, August 29, 2021
Monday, August 16, 2021
Music was my first love...
This town ain't big enough for both of us - Sparks
Friday, August 13, 2021
A vida (tal como ela é)
Miguel Torga - A Criação do Mundo
Miramar, 12 de Agosto de 1967 – Sessenta anos. Felizmente que ninguém deu pela conta, e pude calmamente, secretamente, meditar na significação deste dia crucial. Até há pouco, ia contando. Trinta, quarenta, cinquenta… Não era a juventude , evidentemente, mas havia ainda pano para mangas. Mais vinte , mais quinze…Tempo de sobra, enfim. Agora é que toda a ilusão se desvaneceu. Nem quarteirão, nem dúzia. Inexorável, a razão apenas me promete a decadência e o desenlace, no molho amargo de que tudo está feito e por fazer. É essa, de resto, a grande lição de humildade que a vida nos dá , se a esclerose não lavrou de mais e consente ao espírito o resgate duma lúcida contrição. Vamos seguindo confiados pela estrada fora. De repente, olhamos para trás , e que terramoto de ilusões! O que parecia grande mede um palmo, o que julgávamos sólido abana, o que dava a impressão de voar, patinha. Incrédulos, esfregamos os olhos. Mas não há dúvida. Desacertos sobre desacertos, erros palmares, ingenuidades confrangedoras. O saco de viagem abarrotado de falências. E de nada vale perguntar se as coisas se poderiam passar de outra maneira. Os factos são irreversíveis. No meu caso, então, só por milagre. Comecei mal e tarde. Enquanto outros partiram do saber, eu parti do sofrimento. Nenhuma porta se me abriu sem eu a arrombar. Lutei contra a pobreza, lutei contra a ignorância , lutei contra a idade, lutei contra os homens, lutei contra Deus, lutei contra mim. Uma infância rolada, de bola à mercê dos pontapés do mundo, uma juventude esfalfada, de estafeta atrasado na maratona da cultura , uma maturidade crispada, de indesejável na pátria. A criança desaninhada e perplexa nas encruzilhadas do destino, o rapaz a tentar a ferro e fogo fazer-se gente , o homem cercado de incompreensões. De maneira que era praticamente impossível que a árvore desse outros frutos. Tudo se conjugou nela e fora dela para um Outono sáfaro, que verifico nesta singeleza despida de ilusões. E triste , mas não há voltas a dar-lhe. Resta-me apenas uma consolação: embora derrotado, consegui chegar ao fim da aventura na pureza com que a iniciei, e remir pela consciência dum velho poeta a sangrar a inocência dum jovem poeta de versos de pé quebrado.